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Are fairy tales always for children only?
Urariano Mota: Hans Christian Andersen - O patinho bonito
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- Mudemos de página.
E me virava para o quadro. Mas a menina havia virado uma estrela, eu sabia, e por isso o branco da lousa estava embaciado. Ainda que não fosse de vidro como as janelas por onde olhava a vendedora de fósforos.
Este é o Andersen do qual não conseguimos falar sem paixão. O criador de imagens extraordinárias, delicado até a sutileza, até o perfume da rara poesia. Uma crônica bem escrita sobre ele iria do Soldadinho de Chumbo ao Patinho Feio. Da Pequena Sereia à Roupa Nova do Imperador. Uma crônica bem escrita sobre ele teria que dizer, como um pastiche de Andersen, em boa e fluente linguagem narrativa, que Andersen é o outro nome com que chamamos: Um homem de revolta mais que moderna, porque eterna. Um criador de humanidade, porque da humanidade. O filho mais ilustre da Dinamarca, porque um dos irmãos mais ilustres de todos os povos. O homem a quem a sociedade hipócrita, de todos as sociedades, de todos os países, teima em deixar na segura estante dos autores infantis. Mas que à maneira de sorrir, de falar da fantasia, dos animais, dos seres inanimados, dos lugares distantes, como quem nada quer, nos fere e nos morde. Como raros autores adultos. Não tanto por ser um homem ou um autor agressivo. Mas porque nos fere e nos morde pela verdade.
Se usássemos do mesmo tom que se usa em discursos ao pé do túmulo ou de banquetes, diríamos: Hans Christian Andersen, como se fosse insuficiente a tua humanidade, de amor universal pelos rejeitados, de dar voz e afeto a qualquer objeto físico, tu nos deixas a luz, como se nada nos deixasses, de que existe verdade e dor no mundo da fantasia. E de passagem, no teu halo de homem de face triste, como se fosse um brilho inocente, a lição de que a criança não é um homem idiota. Ela é um homem em permanente descoberta, pareces-nos dizer.
Ela é um ser que escuta o preconceito, antes de ela própria ser atingida pelo preconceito, tu nos contas, em palavras de narração viva. Não fosses o escritor que és, com muita felicidade serias um instrutor de meninos de todas as idades, deveríamos dizer. E com tais expressões grandiloqüentes apenas queríamos dizer: Andersen, muito te amamos. E acrescentamos agora e ao fim, por pura e simples loquacidade: Enquanto houver pequenas vendedoras de fósforos que viram estrelas no céu escuro; Enquanto houver soldadinhos de chumbo que amam dançarinas de papelão; Enquanto houver figurinhas de porcelana que se apaixonam e vivem até o dia em que se desfazem em cacos; Enquanto houver bonequinhos que ardem abraçados no fogo da lareira, tu és, Andersen, o patinho bonito mais bonito, porque és o patinho feio mais bonito que um dia conhecemos.
Cf. Dickens and Andersen * Andersen: Soon shall the whole world admire thy Psyche * The Ice Maiden * A Story - Cf. Rilke, Letter to a Young Poet | Plato, Whom are we talking to? | Kierkegaard, My work as an author | Emerson, Self-knowledge | Gibson - McRury, Discovering one's face | Emerson, We differ in art, not in wisdom | Joyce, Portrait of the Artist