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Are fairy tales always for children only?
Urariano Mota: Hans Christian Andersen - O patinho bonito
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Seis horas depois escrevemos: falemos do Andersen que amamos, do Andersen que nos toca.
Falemos então do maravilhoso conto "A pequena vendedora de fósforos". Como os nossos quilômetros rodados de leitura não são muitos, não podemos dizer que este é um dos melhores contos que já se escreveram. Mas este é com certeza o melhor conto que já lemos em nossa vida. A minha, mais precisamente, de cinqüenta e cinco anos. Aquela trajetória da pequena menina que sai a vender fósforos em uma véspera de Ano Bom, nas ruas geladas de uma cidade, que vislumbra deslumbrada, pelo vidro embaciado das janelas, a ceia posta nas casas burguesas, e com profunda fome fica encantada e nos encanta, seria uma coisa que nas mãos de um falso artista daria uma cena piegas, digna de se ir às lágrimas, de raiva. Mas não nas de Hans Christian Andersen. A fome e o lar, doce lar, vemos, nas suas linhas. Ah os perus rosados, pingues, da noite de Ano, ah as tortas fresquinhas, deliciosas, da calma e pacífica e confortável vida burguesa dos lares que se fecham egoístas à dor em volta, toda essa felicidade, esse calor da lareira que vemos pelos olhinhos da menina, nos chegam como uma repulsa, como um cancro, como um fel, de lares (filhos da puta, dizemo-los), de lares doces lares que rejeitamos com todas nossas forças.
Então Andersen vai mais longe, e nos fere mais dentro do coração. Se o artista é o criador de imagens que são o próprio domínio do divino, Andersen é um destes. Ele faz então a menina virar uma estrela - que coisa sublime!, uma estrela no céu escuro, em que se torna, ao cair e delirar de fome. Enregelada, a pequena vendedora sobe, "em um halo de luz e de alegria, mais alto, e mais alto, e mais longe... longe da Terra, para um lugar, lá em cima, onde não há mais frio, nem fome, nem sede, nem dor, nem medo". Este é um conto que por várias vezes tentei ler em voz alta, em aulas de português para adolescentes pobres, e por mais de uma vez não consegui. A voz não me saía, embargava, quando chegava a este ponto da menininha que vira uma estrela. Eu não conseguia vencer o conflito entre chorar e lhes gritar: "Se não mudarmos este mundo, nada mais tem sentido. Vamos ser assaltantes, vamos roubar e matar". Mas, covarde, para não me mostrar o fraco que sou, e para não ser incurso no Código Penal, apenas dizia-lhes:
First Page ||| Next PageCf. Dickens and Andersen * Andersen: Soon shall the whole world admire thy Psyche * The Ice Maiden * A Story - Cf. Rilke, Letter to a Young Poet | Plato, Whom are we talking to? | Kierkegaard, My work as an author | Emerson, Self-knowledge | Gibson - McRury, Discovering one's face | Emerson, We differ in art, not in wisdom | Joyce, Portrait of the Artist